terça-feira, 12 de maio de 2009

Os 7 Gatinhos

Ano de (re)eleição. FHC, o presidente - candidato, programa visita a uma cidade do interior do país situada mais ou menos onde Judas perdeu as botas (um pouco antes, dobrando à direita) e lá deve visitar uma escola. A diretora da escola, analfabeta, mas muito enérgica e, além disso, tia de um deputado, convoca todos os alunos e transmite a notícia. Quer que todos alunos façam uma festa muito bonita para receber o presidente - candidato e gostaria que os estudantes dissessem coisas agradáveis a ele. Adalberto, aluno da terceira série, se levanta e fala:

- Professora, eu vou dizer ao presidente FHC que ontem "nasceu" sete "gatinho" lá em casa e que todos sete "vai" votar nele.

- Ótimo, Adalberto. Maravilha! Isso é uma boa notícia. Gostei! - falou a diretora esfregando as mãos de contente.

Enquanto aguarda a visita, a diretora manda maquiar a escola usando uma verba especial recebida do comitê de campanha. Manda pintar as paredes e os quadros negros, colocar portas e janelas nos lugares, consertar os vazamentos do telhado. Até o matagal que havia em torno da escola é aparado. A escola fica um brinco! Até água sai das torneiras no dia da visita (nas poucas torneiras, é verdade e só no dia da visita, é claro). E não é que também aparece um computador? Um PC-XT de última geração (última de verdade) que o contador da prefeitura guarda em casa com muito carinho é orgulhosamente exibido. É uma demonstração inequívoca(!) de que a escola adota novas tecnologias.

No grande dia, os estudantes chegam à escola de roupa e sapatos novos. "Quem não vier de roupa nova não entra" havia ameaçado a diretora.

O momento culminante do evento é a conversa informal, espontânea e descontraída de FHC com os estudantes. Numa sala toda decorada com belas flores vindas da capital estão os estudantes. Desde cedo da manhã que eles esperam. Para conter a impaciência deles, são distribuídos sanduíches e refrigerantes quentes. A galera adora.

Todos estão lá. Perdão: quase todos estudantes estão lá. Considerando que a sala não comporta todos eles, a diretora teve de fazer uma seleção prévia obedecendo a alguns critérios meramente administrativos e disciplinares. Juquinha e Joãozinho, por exemplo, foram proibidos de comparecer. Impossível imaginar o que eles poderiam aprontar para FHC, o Primeiro Mandatário da Nação.

A turma da segurança presidencial havia sido taxativa quanto a presença de pessoas que, de alguma maneira, pudessem pôr em risco o brilhantismo da ocasião. "Gente desse tipo não entra" decidiu sabiamente a diretora.

A escolha dos estudantes tornou-se ainda mais fácil porque a diretora havia solicitado a colaboração das figuras mais influentes da cidade. Dessa forma, tiveram prioridade os filhos das autoridades civis, militares e eclesiásticas. Eles tiveram o acesso garantido à sala da recepção e ficaram na primeira fila.

O helicóptero presidencial chega à cidade com apenas três horas e meia de atraso e aterrissa no campo de futebol do Clube Lítero - Recreativo e Esportivo Onze da Silibrina especialmente adornado para a ocasião. FHC, o candidato-presidente, sai do aparelho, quer dizer, da aeronave e vai direto para a escola. Ele não pode perder tempo.

FHC visita as instalações e elogia o que vê. Que beleza, tudo funcionando. Tudo limpinho e perfeito. "É o retrato do meu governo" diz ele entusiasmado diante das câmeras de TV e de jornalistas especialmente contratados para fazer a cobertura do grande evento. Enquanto isso, as autoridades locais e estaduais se esmeram na bajulação. (Soube-se, depois, que receberam nota dez no quesito.)

Na escola, ele não leva mais que cinco minutos para ver tudo - é um estabelecimento de ensino de pequeno porte e logo ele é levado à sala onde estão os estudantes.

Chega a hora do discurso do presidente-candidato. Ele fala. Quanta sabedoria! Que carisma! Que aula de sapiência, otimismo e humildade. Ele enaltece os valores do neoliberalismo contemporâneo e da Teoria da Dependência, de sua criação. É uma aula maravilhosa. Ninguém entende patavina e ele é muito aplaudido.

E chega, finalmente, a hora da "conversa informal" com os estudantes. A professora chama o Adalberto. (Lembra-se dele? É aquele menino da terceira série que apareceu lá no comecinho da história.)

- Adalberto, você tem uma boa notícia para o nosso Presidente, não tem?

Adalberto se levanta, enche o peito e fala solenemente:

- É, seu Presidente. É que lá em casa nasceram uns "gatinho" e dois deles "vai" votar no senhor.

- Mas não "era" sete "gatinho", Adalberto? - pergunta a diretora decepcionada.

- "Era", professora. Mas cinco já "abriu" os olhos.

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